terça-feira, 25 de novembro de 2014

Como são as licitações nos EUA

Aldo Dórea Mattos

O volume de recursos movimentados anualmen­te pela construção civil nos Estados Unidos é de muitos milhões de dólares, chegando a superar o PIB (Produto Interno Bruto) de muitos países grandes. As obras, tanto públicas como privadas, têm uma dinâmica própria, que prima pela simplicidade, pela agilidade e pela acessibilidade que o mercado proporciona às empresas. 
Nas obras públicas, em especial, as licitações, em todas as esferas de poder, são regidas por uma legislação que prioriza a competitividade como meio de garantir condições justas de contratação com o dinheiro do contribuinte. 
Apresento abaixo algumas particularidades interessantes. 
Empresas de minorias
Os órgãos lici­tantes estabelecem nos editais de licitação o percentual do valor contrato que a empresa vencedora obrigatoriamente deverá subcontratar deDisadvanta­ged Business Enterprises - DBE, que são empresas cuja gestão e capital ma­joritário pertencem a grupos minoritários - afrodescendentes, hispânicos (neste incluídos impropria­mente os brasileiros), índios, nativos (esquimós, ha­vaianos), asiáticos, mulheres e até veteranos de guerra. Esse foi o mecanismo encontrado para garantir alguma reserva de mercado e dar maior competitividade a pequenas empresas supostamente em condições inferiores de disputa com as demais. É uma espécie de "sistema de cotas" como o das universidades brasileiras. 

O percentual de participação das DBEs varia de obra para obra, conforme o tipo de serviço e o estado da federação. Uma obra predial, por exemplo, tem o patamar superior a uma obra de terraplenagem; Estados com grande contingente de minorias, como a Califórnia e a Flórida, praticam patamares mais altos. Em geral, o percentual fica na faixa de 10 a 25% do preço da obra. No dia da licitação, cada construtora indica num formulário próprio quais serviços serão subcontratados às DBEs, com o respectivo montante e número de registro. Ganhar a obra e não contratar a DBE é contravenção seriíssima, passível de punição. 
O curioso é que muitas vezes as construtoras, no afã de atingir o percentual de DBE requerido, termi­nam por descartar uma cotação vantajosa de um subempreiteiro não DBE em favor da de uma DBE. É por isso que as DBEs seguram suas cotações até momen­tos antes do fechamento das propostas. Quando sen­tem que uma construtora está com dificuldades de atingir o percentual, elevam suas cotações sem qual­quer ressentimento. 
Performance Bond
O destaque no aspecto das garantias contratuais está na figura do performance bond, que é um seguro que a construtora contratada tem que apresentar no início da obra. O detalhe é que esse seguro deve cobrir 100% do valor do contrato. O performance bond garante que, no caso de falência da construtora ou de manifesta incapaci­dade para desempenhar os serviços, o órgão público possa acionar a entidade seguradora. Caberá então à seguradora terminar a obra dentro dos termos contra­tuais do segurado - se ela irá terceirizar a obra com outra empresa, fazer licitação ou assumir pessoal­mente a condução dos serviços, o problema é interno da seguradora. Se o término dos serviços vier custar à seguradora mais do que o saldo do contrato, esse é o risco de ter emitido apólice a quem não merecia. 
Para dar um performance bond a uma construtora, a companhia seguradora vasculha o histórico da empresa. Consulta clientes antigos, inspeciona obras concluídas e em andamento, analisa balanços contá­beis, avalia a capacidade de crédito, etc. Enfim, pro­cura se municiar de todas as informações para calcu­lar o risco e fixar o prêmio do seguro. As segurado­ras tornam-se, desta forma, o fiel da balança na questão das garantias contratuais. 
O sistema americano é eficaz. Ele sim­plesmente elimina o fantasma das obras inacabadas. No Brasil, a Lei 8.666/93 faculta aos órgãos cobrarem caução de tímidos 5% do contrato. Convenhamos: não peneira nada e não garante coisa alguma. 
Mão de obra: incentivo à produtividade 
O operário da construção civil é muito privilegia­do nos Estados Unidos. Fruto da negociação das diversas Unions, que são os sindicatos de trabalhado­res por categoria, os salários-base são bastante eleva­dos. Não é raro um servente faturar US$ 3.000 por mês. Acontece que, para o operário ser sindicalizado, a tarefa não é das mais sim­ples. É preciso passar por provas de conhecimento teórico e prático, quase um vestibular. 
Os encargos sociais ficam na faixa de 70-80%. Basicamente, englobam impostos federais, estaduais e municipais, a contribuição das Unions e o Worker´s Compensation, que é um fundo para cobrir as despesas de tratamento e afastamento de operários por acidente de trabalho. A rigor, sendo os salários altos, o paternalismo cai. O empregador não tem que dar ao empregado alimentação, transporte, 13salário ou aviso prévio. 
Engenharia de valor 
Dentre todos os pontos destacados, o que mais me chamou a atenção foi certamente a filosofia do Value Engineering. A Engenharia de Valor consiste no seguinte: se a construtora propuser uma alteração de projeto que barateie a obra, haverá uma partilha dos ganhos entre a construtora e o órgão contratante. 
A Engenharia de Valor cristaliza o espírito de parceria entre a admi­nistração pública e a empresa privada contratada. É um estímulo à inventividade. Com a vantagem de gerar um ganho extra para a construtora, induz-se a engenhosidade. Faz-se engenharia nas obras. E cidadania.

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