domingo, 27 de outubro de 2013

Hugo Fanton: Alckmin passa o trator nos atingidos pelo Rodoanel

por Hugo Fanton, da Assembleia Popular, sugerido pelo Luiz Malavolta 
A construção do trecho norte do Rodoanel é o carro-chefe do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) e é a maior obra viária do país, com um custo de R$ 6,5 bilhões, financiada com recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que emprestará R$ 2 bilhões, governo federal (R$ 1,7 bilhão) e o restante pago pelo próprio governo do Estado.
Desde o início, o governo ignorou os alertas de que a obra causaria grande impacto social e ambiental por passar sobre áreas densamente povoadas e de proteção ambiental, na Serra da Cantareira. Alckmin também deu de ombros para os especialistas que diziam que a obra era desnecessária, visto que há rodovias ao norte da região metropolitana de São Paulo, como a Dom Pedro, que já fazem a ligação entre as rodovias a leste (Dutra e Ayrton Senna) e a norte (Fernão Dias e Bandeirantes).
As promessas da Dersa, órgão do governo do Estado responsável pela obra, e de outros representantes do governo eram de que os impactos seriam mínimos e que as famílias atingidas não teriam seus direitos violados. Esta, aliás, era uma das condições impostas pelo BID para emprestar o dinheiro ao governo. Assim, o governo ofereceu duas alternativas às famílias: um apartamento da CDHU, com pagamento de auxílio aluguel até a conclusão das obras, ou uma indenização justa.
O que vemos hoje, com a concretização das primeiras remoções, é bem diferente do que foi acordado e prometido. Baixas indenizações, pressão psicológica, falta de garantias e de apoio às famílias têm sido as marcas do processo de remoção dos moradores de bairros como Jardim Paraná, na Brasilândia, e Parada de Taipas, na região do Jaraguá, duas das áreas mais afetadas pelas obras.
Indenizações baixas
A Dersa terceirizou à empresa Diagonal a elaboração dos laudos das casas que serviram de base para o cálculo da indenização paga aos moradores. Os laudos, que levaram em conta apenas as benfeitorias das casas e não consideraram o tempo que as famílias viviam no local, tampouco a área das residências, conforme previsto na Lei de Usucapião, foram concluídos entre julho e setembro deste ano. Os resultados causaram indignação a muitos moradores, descontentes com os valores das indenizações.
Estranhamente o procedimento do governo no cálculo das indenizações para os atingidos pelo Rodoanel Norte foi diferente do adotado em outras obras, como na Linha 17-Ouro do Metrô, que removeu comunidades inteiras na região da Avenida Água Espraiada, na zona sul. Lá, as indenizações ficaram entre R$ 85 mil e R$ 119 mil. No caso do Jardim Paraná e Parada de Taipas, as indenizações oferecidas variam muito mais e foram consideravelmente mais baixas: R$ 2 mil, R$ 5 mil R$ 15 mil.
À maioria esmagadora das famílias foi oferecida uma indenização que impossibilita a mudança para uma moradia digna. Mais uma vez, as famílias são forçadas a migrar para regiões irregulares, como áreas de mananciais, de preservação ambiental ou favelas. Ou seja, é o próprio governo do Estado incentivando a ocupação de áreas irregulares, de onde, muito provavelmente, os mesmos moradores serão removidos daqui a alguns anos. Um dado que ilustra esse processo são os diversos anúncios de casas em áreas irregulares colocados no lugar onde a Dersa faz plantão de atendimento.
Para forçar as famílias a pegar as indenizações irrisórias, o governo simplesmente não indicou os prazos e os locais onde serão erguidas as unidades habitacionais. Ou seja, sem saber onde serão construídas as novas moradias e em quanto tempo elas ficarão prontas, os moradores foram induzidos a optar pelas baixas indenizações. Desde o início, entidades como o Escritório Modelo da PUC, que atua nas comunidades em parceria com a Defensoria Pública, e o Ministério Público exigiram que o governo informasse o local exato onde seriam construídas as moradias.
Táticas do governo para forçar as famílias a sair
Aqueles que optaram pelas unidades habitacionais, fizeram a aposta no escuro. Correm o risco de ir morar em áreas distantes, com menos infraestrutura. Ou, pior, podem ficar sem as casas, como muitos removidos pelo trecho sul do Rodoanel, que até hoje esperam as unidades que lhes foram prometidas.
Também não foi respeitado, em muitos casos, o direito ao desmembramento familiar. Quando mais de uma família vivem juntas, cada uma delas tem direito a uma indenização ou unidade habitacional. Este princípio, em tese, seria adotado nas remoções do trecho norte do Rodoanel. Mas a falta de critérios – ou a adoção de critérios ocultos – fez com que várias famílias que vivem juntas recebessem só uma indenização ou unidade habitacional.
Não bastasse esse conjunto de violações, o governo usa uma tática espúria para forçar a saída das famílias: a destruição das casas que estão vazias, o que enche as comunidades de entulho, lixo, ratos e baratas, tornando insustentável a permanência daqueles que desejam ficar e batalhar por uma indenização maior ou por garantias a respeito das unidades habitacionais. Além do barulho incessante dos tratores e marretas, as famílias têm de suportar crianças brincando em meio a escombros e lajes desprotegidas, expostas a vários riscos.
Os processos de despejo ocorrem sem a presença de assistentes sociais ou médicos. Para piorar, o governo só paga a indenização ou deposita a primeira parcela do auxílio aluguel quando a família deixa a casa. Como é que uma família consegue alugar ou comprar outra casa e fazer a mudança sem o dinheiro?
Comunidades sugiram há décadas
As comunidades da zona norte de São Paulo afetadas pela obra surgiram há décadas. O Jardim Paraná, por exemplo, foi fundado em 1994, ocupado por famílias sem-teto ou que não conseguiam mais pagar aluguel. De lá pra cá, a comunidade ganhou água, luz, asfalto, linhas de ônibus e até um CEU. Tudo à custa de muita luta das famílias.
Por conta disso, os moradores, que têm direito à propriedade dos imóveis conforme a Lei de Usucapião, teriam de ser indenizados ou atendidos de forma justa. As convenções de organismos internacionais, como a ONU, prevê que, nos casos de remoção, as famílias afetadas sejam reassentadas em condições iguais ou melhores às que tinham. Nada disso está ocorrendo nas comunidades afetadas pelo Rodoanel.
O governo de São Paulo, que tem dinheiro para custear uma obra bilionária, não atende as famílias dignamente mesmo sabendo que o montante para pagar indenizações justas ou garantir moradias dignas às famílias é irrisório perto do gasto com o trecho norte. O governo e a Dersa passam por cima das deliberações de órgãos internacionais, rasgam a lei e a Constituição. Como resultado, vemos famílias se desestruturando, pessoas entrando em depressão e a própria cidade sendo prejudicada.


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