segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Planejada para carros, Brasília terá que se reinventar através da mobilidade

AUTOR: LUCAS CHICONI 

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Outubro de 2010. Numa viagem técnica da faculdade, estou com amigos e professores em Brasília, a capital federal do Brasil. Fundada em 21 de Abril de 1960, Brasília é resultado de um concurso para a nova capital do Brasil (a terceira, após Salvador e Rio de Janeiro) e teve seu plano urbanístico, conhecido como Plano Piloto, projetado pelo urbanista Lúcio Costa, e suas edificações pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
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A cidade é Patrimônio Mundial pela UNESCO, pelo seu conjunto arquitetônico e urbanístico, sendo a maior área tombada do mundo. Além disso, a maior cidade do mundo construída no século XX. Esta área se refere ao Plano Piloto, o qual é composto pelas super quadras das Asas Norte e Sul, Eixo Monumental e Parque Nacional de Brasília.
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Com um PIB superior a 171 bilhões de reais, esta é a terceira cidade que mais gera riquezas no país, atrás somente de São Paulo e Rio de Janeiro. Sua população é estimada em 2,9 milhões de habitantes (referente ao próprio Distrito Federal, portanto, Plano Piloto e Cidades-Satélites), sendo a quarta maior do país dentre as municipalidades, mas se mantendo na sétima posição quando referente às regiões metropolitanas, com cerca de 4 milhões de habitantes, conhecida como Região Integrada deDesenvolvimento do Distrito Federal e Entorno. É importante reforçar que Brasília é o Distrito Federal brasileiro, não sendo classificada como município, propriamente dito, assim suas cidades-satélites não sendo classificadas, oficialmente, como bairros ou distritos urbanos.
No contexto histórico desta cidade, devemos destacar que foi inaugurada em 1960 pelo presidente Juscelino Kubitschek, período em que definiu o futuro da mobilidade urbana no país: os automóveis e o sistema rodoviário. Os milhares de quilômetros de ferrovias existentes no Brasil não era mais prioridade e, diante do desenvolvimento do automóvel em outros países, como os Estados Unidos, por exemplo, optou-se pelo investimento no transporte individual.
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Não é preciso refletir muito para compreender as consequências dessa ação: espraiamento urbano; deterioração de setores urbanizados, inclusive de edificações; congestionamentos; poluição atmosférica; sucateamento das redes de transporte público coletivo, dentre outras problemáticas socioambientais. Brasília, apesar de diversas referências nobres da Arquitetura e Urbanismo no Brasil, como as variadas soluções adotadas para suas edificações, como as áreas residenciais das super quadras (formadas por edifícios residenciais, vilas de residências unifamiliares e comércios locais), onde o solo é predominantemente público, definindo suas quadras abertas à favor do caminhar do pedestre; da fruição pública… Brasília é também uma cidade planejada para os carros. Suas imensas avenidas rasgam a metrópole até o horizonte, porém, nem sempre há calçadas, nem sempre há vida urbana, propriamente dita, em suas ruas.
O sol, naquele imenso céu da capital, arde sobre todos as cabeças e seu clima árido, do Cerrado, contribui para que o caminhar em setores importantes, como os bancários, comerciais e políticos, todos ao redor do Eixo Monumental, não tenham uma expressividade de pedestres. É um clima diferente para quem está acostumado com a umidade próxima ao litoral. As grandes quadras geram grandes distâncias entre as edificações, ocasionando percursos difíceis e desagradáveis ao caminhar. O CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), um exemplo belíssimo de arquitetura em edificação pública e cultural, é praticamente um ponto isolado entre o Eixo Monumental e o Lago Paranoá, sem um percurso qualificado para pedestres e ciclistas, por exemplo.
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Ciclovias são quase imperceptíveis em boa parte do Plano Piloto, assim como o transporte coletivo, que também é nítido que não está entre as prioridades da capital federal. O metrô, com aproximadamente 40 km de extensão, serve uma parte das áreas urbanizadas da metrópole, porém, suas estações estão posicionadas em locais quase que inadimplentes e desfavoráveis a integrações. Sua estação Central, localizada em meio ao Eixo Monumental, pode ser interessante por abrigar comércios e a rodoviária, mas se torna imensamente desagradável chegar até ela a pé – mesmo que há poucas quadras de distância.
O paisagismo parece não ser planejado para proporcionar sombras, por exemplo. A segregação é outra questão muito negativa, e que pode impactar fortemente na mobilidade urbana, visto que este talvez seja um dos poucos lugares no mundo onde ricos e pobres quase não se cruzem diariamente, tendo assentamentos informais de grande porte, como Sol Nascente e Estrutural, em cidades-satélites, bem opostos aos nobres bairros do outro lado do suntuoso Lago Paranoá. Este, denominados Lago Norte e Lago Sul, definem a elite que vive nestes bairros de baixa densidade demográfica, com grandes lotes que abrigam as maiores mansões do Distrito Federal.
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Por alguns momentos, muito semelhantes ao Morumbi, famoso bairro de mansões da Zona Oeste de São Paulo, onde a vida urbana é escassa, as calçadas desqualificadas e a predominância de uso: residencial de baixa densidade. Em outras palavras, grandes mansões e mais nada. Portanto, o uso do automóvel torna-se quase que obrigatório nesse modelo urbanístico. Algo desagradável aos olhos, em Brasília, é a quantidade de carros estacionados quase que em qualquer espaço da cidade. É mais notável a quantidade de autos nas ruas do que a de pessoas, e estes ocupam espaços consideráveis que poderiam ser requalificados para abrigar áreas de conforto e lazer para a população em meio aos vários edifícios que compõe os setores ao redor do Eixo Monumental.
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Uma paisagem extraordinária formada por edifícios de uma arquitetura sublime e reconhecida internacionalmente. Um lago paradisíaco que transforma drasticamente a aridez do Cerrado e dispõe de um pôr-do-sol dos mais encantadores. As torres do Congresso Nacional e a imensa bandeira brasileira despontam num horizonte inesquecível. É tudo muito planejado, setorizado e criado. Ventos fortes rasgam esse céu iluminado de Brasília e nos encanta por ser a capital de uma das maiores e mais influentes nações que o mundo já viu. Poética, Brasília é uma cidade que nos faz sentir orgulho em ser brasileiro. Sua imponência arquitetônica, de sua catedral ao Palácio do Planalto, chocam os olhos à primeira vista e nos remetem ao poder brasileiro diante do mundo. Porém, algo a ser questionado nesta cidade é que seu planejamento urbano foi voltado especificamente para o momento de sua fundação e o impulso à indústria automobilística.
Portanto, Brasília não desenvolveu muito, em seus 55 anos, suas políticas e projetos de mobilidade urbana. Contudo, a capital do Brasil tem um imenso potencial econômico e político a ser explorado para desenvolver a metrópole diante das demandas da era contemporânea. Seu transporte sobre trilhos precisa crescer e ter seu plano revisto, visto que novas demandas estão surgindo e, de seus 4 milhões de habitantes na metrópole, seu sistema de metrô transporte apenas 130 mil habitantes diariamente. Para comparação, o sistema metro-ferroviário de São Paulo transporta cerca de 8 milhões de passageiros por dia (diante dos 21 milhões de habitantes da metrópole). Uma das funções obrigatórias dos urbanistas no século XXI é combater o analfabetismo urbanístico, de acordo com Ermínia Maricato, ou seja, não podemos nos conformar com o rodoviarismo brasiliense só porque a cidade é tombada como Patrimônio da Humanidade e reconhecida pelas obras sublimes da arquitetura de Oscar Niemeyer.
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As cidades são organismos vivos que tem a necessidade de se transformar. E arquitetos e urbanistas sabem muito bem que é possível fazer projetos de prestígio que saibam integrar as demandas contemporâneas ao nosso patrimônio tombado. A mobilidade urbana não separa. Integra, gera fluxos e propõe soluções às cidades. Numa breve conclusão, os melhores projetos são sempre aqueles feitos para a escala humana, assim como os piores são estes que se esquecem que as cidades servem aos homens e não aos automóveis.

Um comentário:

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