terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A longa novela da ferrovia Norte-Sul

Iniciada há 25 anos, a obra da ferrovia, ligando Maranhão a São Paulo, foi retomada em 2007, após anos de abandono, em meio a denúncias de corrupção
Foto: Reprodução
A obra da Ferrovia Norte-Sul (FNS) — a maior da história do setor no Brasil e essencial para integrar trilhos de todas as regiões e encurtar o caminho da exportação para diversos setores da economia — completou 25 anos em 2012.
Marcados pelas falhas na elaboração e na execução do seu projeto e pelos desvios de recursos públicos, seus trilhos poderiam estar ajudando a reduzir o chamado Custo Brasil, gerando empregos e abrindo frentes de negócios.
Mesmo depois de tanto tempo, o longo traçado original da Norte-Sul — 1,5 mil quilômetros de Açailândia (MA) a Estrela D’Oeste (SP) — teima em não sair do papel, e o adiamento de sua operação preocupa empresários e especialistas.
Edson Tavares, superintendente do porto seco de Anápolis (GO), afirma que diversas indústrias estão prontas para operar com contêineres vindos do litoral. “A chegada dos trens representaria ainda a largada para vários investimentos”, completa.
Desde a sua retomada, em 2007, no segundo mandato do presidente Lula, após quase duas décadas de total abandono, a União gastou R$ 6 bilhões que foram insuficientes para torná-la realidade.
Embora tecnicamente próxima da conclusão, a ferrovia que incorporou mais dois trechos, se estendendo até Barcarena (PI) e Panorama (SP), precisa de revisão em diferentes partes, sobretudo no trecho goiano.
Com demoradas paradas sofridas em virtude de escândalos de corrupção desde a primeira licitação, em 1987, no governo Sarney, ou de trâmites burocráticos, a obra sofreu um último baque em julho de 2011.
Foi quando o engenheiro e político goiano José Francisco das Neves, o Juquinha, ex-presidente da Valec Engenharia, estatal responsável pela construção da ferrovia, chegou a ser preso pela Polícia Federal, na Operação Trem Pagador. Ele chefiou a empresa desde o começo da gestão petista, em 2003, tendo tido salto espetacular no patrimônio.
Os 680 quilômetros dos cinco lotes oficialmente em construção têm novo prazo para serem entregues: até o fim do próximo ano, quando termina o mandato da presidente Dilma Rousseff. Até o momento, 15% desse percurso estão prontos.
Com orçamento total de US$ 6,7 bilhões, a obra foi suspensa pelos escândalos do ex-presidente da Valec desbaratados pela PF e por relatórios do Tribunal de Contas da União de 2010 apontando superfaturamento em diferentes fases.
Desolação
Preocupada em entregar a “espinha dorsal do país” ainda em seu governo, Dilma fez uma faxina na Valec e no Ministério dos Transportes e aumentou a pressão política para acelerar o cronograma, sem mais “surpresas”. Ela visitou o ramal de Anápolis e o município de Goianira em março e avisou que só voltaria para inaugurar “a chegada do trem”, quando a Norte-Sul estaria operando de fato.
Indiretamente, fazia alusão à repetida inauguração de trechos com apenas trilhos colocados que marcou a gestão Lula. A presidente deu a entender que não mais desfilaria em locomotivas usadas em obras, cercada de políticos e assessores. “Quero ver a estrada funcionando, do Maranhão até aqui”, sublinhou.
Basta uma visita a Uruaçu para ver os estragos da corrupção antes e depois da interdição. O cenário é desolador. O mato toma conta e as enxurradas das chuvas levaram terra e cascalho, deixando em algumas partes trilhos levitando sobre o leito da ferrovia. Há também risco ao meio ambiente e à segurança urbana gerado pelos canteiros abandonados.
A linha nova, com modernos dormentes de concreto, grafados com as marcas Valec e Constran (construtora contratada), e trilhos importados que enferrujam com a falta de atividade, contrastam com o claro descuido em volta.
Sem movimento
No único cruzamento da ferrovia sem conservação e sem histórico de atividade operacional, estão expostas placas de advertência com mensagens que soam como ironia para pedestres (“cuidado”), para motoristas de carro (“pare, olhe e escute”) e aos futuros maquinistas da linha (“apite”). “Aqui tem mais de ano que não passa ninguém da Valec”, informa um morador da região, que circula por ali de bicicleta. Miller Azevedo, de 24 anos, que ajuda o pai na chácara vizinha da Norte-Sul, comenta que nenhum político ou repórter esteve no local para conhecer a realidade dos moradores às margens dos trilhos.
Não há qualquer movimento da obra desde junho de 2011, pouco antes da prisão do presidente da Valec, diz um morador local. A cena mais impressionante é a do alojamento de máquinas da mineira SPA, que estava envolvida na obra com a Constran. Em fila, tratores, caminhões e escavadeiras são consumidos pelo tempo, como denunciam os pneus e a lataria.
No alojamento, três vigias tomam conta de tudo. Locomotivas, usadas na colocação de dormentes, trilhos e brita, fazem manobras eventuais e “estocam” toneladas de material. A construtora não respondeu aos pedidos de entrevista.
A poeira e as barreiras na locomoção entre os dois lados da linha são mais um drama à parte. Não por acaso, refazer esses quilômetros destroçados já está no planejamento da Valec para 2013, que publicará novos editais até fevereiro para terminar a obra. Ainda serão necessários mais R$ 400 milhões a fim de concluí-la.
“O que foi falha da estatal, assumimos. O que não foi, estamos cobrando dos responsáveis”, justifica o atual presidente da Valec, Josias Cavalcante, servidor de carreira, o quarto no cargo em pouco mais de um ano.
Segundo ele, a estatal já concluiu o processo de reestruturação que foi iniciado assim que Juquinha saiu da companhia. Contratos foram revistos e um perfil mais técnico da diretoria foi adotado. Até mesmo a sede da empresa mudou, para um espaço maior e mais moderno em Brasília, que vai absorver a parte do escritório do Rio de Janeiro.
O chamado ramal sul da Norte-Sul tem 680 quilômetros e ligará Ouro Verde (GO) a Estrela d”Oeste (SP). Só em território goiano, são 450 quilômetros. O trecho foi lançado pela Valec em 13 de janeiro de 2011, e a previsão oficial de conclusão é em junho de 2014.
Frete
Especialistas calculam que a falta dessa ferrovia provoca prejuízo anual de R$ 12 bilhões ao país, considerando que proporcionaria frete 40% mais barato que o rodoviário, além de uma integração mais segura com os portos. A deficiência de toda a malha ferroviária brasileira gera custos adicionais estimados em R$ 20 bilhões para a atividade econômica.
Enquanto a Norte-Sul não chega, o país depende de um transporte mais caro e mais poluente e que ainda contribui para deteriorar rodovias. Para se ter ideia, um só vagão transporta 100 toneladas. Já um caminhão carrega apenas 40 e ainda cobrando mais caro.
“Exportações de grãos, minérios e metais levados pelos trilhos geridos pela iniciativa privada são vitais ao país. Mas o setor ferroviário ainda convive com enormes gargalos gerados pela forte interferência estatal”, criticam Rodrigo Constantino, economista do Instituto Millenium.
Fonte: Correio Braziliense, Por Sílvio Ribas

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