quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

'As grandes empreiteiras do país têm todo mundo na mão'

Especialista no relacionamento das grandes empreiteiras com o governo, Pedro Henrique Pedreira Campos fala sobre a Lava Jato


Redação Brasil Econômicoredacao@brasileconomico.com.br
Como avalia o impacto da Operação Lava jato? 

Sou muito pessimista. Acho difícil o poder dessas empresas ser arranhado. No início dos anos 90, a Odebrecht tinha uma ligação muito forte com o governo Collor e era muito próxima de figuras como o Renan Calheiros, e conseguiu comprar ativos de privatizações do setor petroquímico, pela ligação que tinha com o PC Farias. Na época, o Emílio Odebrecht deu uma entrevista para o “Jornal do Brasil” e, perguntado sobre o envolvimento nas privatizações e o favorecimento pelo esquema PC, respondeu: “O que é roubar, hoje, no Brasil?”. Ele dizia que o sistema estava todo corrompido, e que pagava intermediários para levar uma obra adiante, admitindo práticas ilegais. Recorrentemente, elas estão envolvidas em escândalos, e isso não parece abalar muito o poder delas. Elas têm todo mundo na mão; se abrem a boca, cai a República. O que é boa parte do PMDB, senão agentes dos interesses desses e de outros empresários? O poder político delas é muito grande.
A defesa dos executivos presos argumenta que eles foram pressionados por membros do governo a pagarem propinas...
Isso é uma ladainha antiga, esse discurso da vitimização do empreiteiro em relação ao Estado corrupto. Na verdade, as grandes empreiteiras são as que mais estão envolvidas nesses esquemas com partidos, figuras políticas e agências do Estado. 
O grupo de empreiteiras envolvidas na Lava Jato é o mesmo citado em seu livro...
A partir do chamado “milagre econômico”, de 1968 a 1973, um período de seis anos seguidos de taxas de crescimento superiores a 10% do PIB, há um volume de obras inigualável na história brasileira. Na época, a maior empreiteira era a Camargo Corrêa. No período final da ditadura (segunda metade dos anos 70 e início dos 80), o volume de obras começa a declinar. Esses cortes acontecem de maneira bastante seletiva: em sua maioria, nas obras das pequenas empresas. As grandes mantém um volume de obras muito grande.
Quais obras?
A Odebrecht se mantém grande porque estava fazendo a usina hidrelétrica de Angra; a Camargo Corrêa estava fazendo Tucuruí e Itaipu; e a Mendes Júnior estava no exterior, em grandes projetos no Iraque, América Latina, África. No final da ditadura, a gente já tem um oligopólio, um conjunto de quatro empresas que dominam o mercado brasileiro, incluindo aí a Andrade Gutierrez. No final dos anos 80, a Mendes Júnior tem um problema sério, que é a guerra no Iraque. Vai à falência e, hoje, opera uma empresa que é a Mendes Júnior Trading, para fugir de todos os processos de falência em nome da pessoa jurídica Mendes Júnior. Mas continua importante politicamente. Teve um caso recente do Renan Calheiros, que dava mesada para a ex-mulher, e quem pagava a mesada era a Mendes Júnior. A OAS é uma que cresceu muito, já no final da ditadura, claramente ligada à figura do ex-senador Antônio Carlos Magalhães.
A transição à democracia não feriu essas relações? 

Da ditadura para a democracia, esses grupos se mantiveram no poder. Obviamente que não só eles, os grandes bancos e outros setores também. Mas esses empresários mantiveram o oligopólio em uma conjuntura de mercado mais decadente em volume de obras públicas. Quando houve certo aumento, nos últimos dez anos, com grandes projetos nacionais no governo Lula, vários deles pensados na época da ditadura, esse oligopólio mostra que ainda está funcionando. São essas empresas líderes que continuam na ponta do sistema.
Em que setores elas atuam, além da construção civil?
A Odebrecht, por exemplo, é proprietária de um grupo petroquímico, a Braskem, e cerca de 65% do seu faturamento vem do setor petroquímico. A Andrade Gutierrez é uma das principais acionistas da Cemig e da Oi; e a Camargo Corrêa é dona de vários grupos industriais, produz cimento e é dona da São Paulo Alpargatas (Havaianas, Topper e Rainha) e da Santista Têxtil.
É possível reduzir a dependência das empreiteiras? 

Se param as obras dessas empreiteiras, vamos ter racionamento de energia, e os problemas de logística se agravarão ainda mais. Elas têm concessões e podem falar que vão interromper as concessões de portos, de metrôs, trens urbanos e até mesmo das Olimpíadas. Há uma alternativa? Acho que sim. Por exemplo, o fim do financiamento empresarial e privado de campanha eleitoral poderia ser um avanço, junto com uma ampla investigação para evitar o caixa 2.
Como é em outros países?
O poder das empreiteiras americanas é um negócio impressionante, em uma escala, inclusive, muito superior ao das brasileiras. Empresas como Bestel, Halliburton, são poderosíssimas. O vice-presidente americano saiu da vice-presidência da Halliburton, que ganhou um contrato de US$ 40 bilhões para a reconstrução do Iraque — e inclusive contratou a Odebrecht para fazer alguns serviços. Não sei se são envolvidas em casos de escândalo, como no Brasil, mas em todos os lugares do mundo, os empresários de engenharia são muito poderosos, econômica e politicamente.

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